07/08/2024
Cerca de 72 milhões de pessoas no Brasil estão em situação de inadimplência, de acordo com o Mapa da Inadimplência e Negociações de Dívidas da Serasa. Isso significa que mais de 40% da população do país possui dívidas com pagamento em atraso.
O atendente de suporte técnico Renan Ribeiro Leite é um dos muitos brasileiros com este problema. Ele conta que o endividamento ocorreu devido ao uso não planejado do cartão de crédito. “A minha dívida começou porque eu estava gastando demais. Estava com dois cartões de crédito, gastando muito, e as faturas estavam altíssimas. Chegou uma hora que o salário não deu conta. Ou eu pagava uma fatura ou a outra, e eu deixei uma de lado. Ela ficou lá, e eu não consegui pagar mais,” relata Renan.
Ele comenta que a situação de ver a dívida se transformar em uma bola de neve começou a afetar sua saúde emocional. “O que mais acontecia era de toda hora vir a notificação do banco e eu ver a fatura cada vez maior. Eu ficava pensando que nunca mais ia conseguir pagar essa conta”, lembra.
Consumo impulsivo
Um estudo publicado no Portal do Investidor, do governo federal, destaca que um dos principais fatores do endividamento está relacionado ao comportamento de consumo impulsivo. Muitas vezes, as pessoas recorrem a compras sem planejamento financeiro ou usam o consumo como uma forma de lidar com o estresse e outras emoções negativas.
A psicóloga clínica Beatriz Berger Fracaro explica que pessoas com dificuldade em controlar seus impulsos tendem a buscar alívio imediato em compras, especialmente em momentos de tensão. “Quando há uma dificuldade no controle de impulsos, essas pessoas podem ter a tendência de buscar fazer compras quando sentem algum tipo de tensão, o que pode trazer um alívio imediato, mas a longo prazo trazer sentimentos de culpa, falta de controle e até mesmo baixa autoestima”, descreve.
Outra consequência, pode ser o acúmulo de dívidas a longo prazo. Embora, dentre as causas do endividamento, além do consumo impulsivo também possam estar outros fatores, como necessidades urgentes imprevistas. “Existem diferentes contextos que podem colocar as pessoas em uma situação de dívida, de modo que os impactos na saúde mental podem ser diversos. Uma dessas situações pode ser uma necessidade de saúde ou recursos materiais inesperados, por outro lado, pode estar relacionado a um comportamento de baixo controle de impulsos, em que algumas pessoas terão dificuldades para controlar o impulso de compras, levando ao endividamento”, explica a psicóloga.
A falta de organização e planejamento financeiro também são fatores comportamentais relevantes para o acúmulo de dívidas. Muitas pessoas não estabelecem um orçamento adequado, não monitoram suas despesas ou não fazem uma reserva de emergência.
As mídias sociais também desempenham um papel significativo, criando desejos e necessidades que podem levar alguns a gastarem além de suas possibilidades financeiras. A comparação social e o materialismo podem contribuir para o endividamento, levando as pessoas a seguirem padrões de consumo que não condizem com suas reais condições financeiras.
A ausência de educação financeira também aumenta a probabilidade de cair em armadilhas que podem ser prejudiciais em médio e longo prazo.
Impactos psicológicos do endividamento
Estar endividado está associado a uma ampla gama de efeitos psicológicos nocivos. A preocupação constante com as dívidas, o medo de não conseguir pagar as contas e a sensação de estar preso em uma situação financeira difícil pode ocasionar um impacto negativo na saúde mental.
A pesquisa “Perfil e Comportamento do Endividamento Brasileiro” da Serasa revela um cenário psicológico preocupante entre os endividados. A pesquisa mostra que 83% dos endividados têm dificuldade para dormir por conta das dívidas, 78% têm surtos de pensamentos negativos devido aos débitos vencidos e 74% afirmam ter dificuldade de concentração para realizar tarefas diárias. Além disso, 62% sentiram impacto no relacionamento conjugal, 61% viveram ou vivem sensação de crise e ansiedade ao pensar na dívida, e 53% revelam sentir muita tristeza e medo do futuro.
O médico psiquiatra Lucas Batistela destaca que em muitos casos, a situação financeira compromete a saúde mental a ponto de intensificar crenças negativas e severas. “Uma das coisas que mais tira a paz de uma pessoa honesta é estar endividada. Tenho muitos casos de pacientes que acabaram nessa situação, podendo gerar níveis de estresse altíssimos, ansiedade, quadro depressivo, insônia e até quadro de crenças desconstrutivas onde ao invés da mente focar em estratégias para conseguir pagar essa dívida, a pessoa foca só no problema maximizando as proporções da situação, o que pode levar até mesmo a ideais suicidas”, alerta.
A psicóloga Beatriz Fracaro explica que os impactos na saúde mental podem variar dependendo do contexto do endividamento. Ela destaca que os sintomas podem incluir pensamentos negativos repetitivos, ansiedade e reações fisiológicas. “Podem ser notados sintomas cognitivos, emocionais e comportamentais. Os sintomas cognitivos podem aparecer nos pensamentos de ruminação, que geram desconforto pois são pensamentos negativos repetitivos sobre como as coisas poderiam ter sido diferentes, além dos pensamentos de catastrofização, que podem levar as pessoas a perder as esperanças sobre o futuro, imaginando sempre os piores cenários”, detalha.
A psicóloga detalha que os sintomas frequentemente incluem ansiedade e reações físicas. “Os sintomas emocionais podem envolver sentimentos de ansiedade, junto com as reações fisiológicas que essa emoção pode causar, como tensão muscular, taquicardia, dor de barriga, tremores, entre outros. Já os sintomas comportamentais podem envolver evitação, ou seja, não querer falar sobre a vida financeira, ter medo de olhar a fatura do cartão de crédito, entre outros”, complementa.
O endividamento reverbera em outras áreas da vida
Os impactos do endividamento vão além das questões econômicas e podem se estender para outras dimensões da vida, como relacionamentos e até a saúde física.
“A vida financeira está no centro de nossa atenção, pois é um aspecto determinante para nosso bem estar físico e mental, já que organiza nossa vida material e o acesso a saúde e lazer. Quando essa área tão primordial está em ameaça por dívidas, naturalmente poderá impactar outras áreas, que podem ou não estar conectadas com a situação. Por exemplo, podem existir conflitos familiares ou com amigos, quando esse comportamento de dívidas prejudica outras pessoas ou até mesmo quebra um combinado anterior. Pode acontecer o afastamento de grupos e encontros sociais, como consequência do prejuízo financeiro, o que pode fragilizar vínculos, se as pessoas não tiverem abertura para falar mais sobre o porquê deste isolamento”, descreve Beatriz.
Por sua vez, Batistela alerta que a desmotivação gerada pelas dívidas frequentemente leva os pacientes a interromperem suas atividades físicas, o que compromete o bem-estar e a saúde do paciente. “Com a atividade física aumenta a produção de todos nossos mediadores químicos do prazer e bem estar, levando sua mente a ficar muito mais criativa para encontrar soluções para os problemas. Sem falar que os níveis de estresse altos liberam uma infinidade de substâncias em nosso organismo, tornando nosso meio mais propício ao surgimento de doenças”, explica o médico psiquiatra.
Buscando soluções
Apesar dos dados preocupantes, a pesquisa da Serasa também traz aspectos positivos. Segundo o estudo, 88% dos respondentes passaram a fazer algum tipo de controle de gastos, 70% revelam confiança em conseguir quitar o débito e recuperar seu crédito, e 57% passaram a conversar com os familiares sobre a importância de reduzir os gastos da casa e buscar soluções conjuntas.
Foi o caso de Renan Ribeiro Leite, que conseguiu quitar sua dívida com o banco. Ele conta que, além do crédito, recuperou também a saúde mental. “Eu senti um alívio muito grande quando paguei a dívida, porque finalmente limpei meu nome. Mesmo pagando à vista para conseguir um desconto, a conta era grande, então deu muito alívio”, lembra.
Mudanças comportamentais
Após a quitação das dívidas, Renan conta que precisou adotar novas práticas financeiras para evitar passar novamente pelo mesmo problema. “Fiz umas mudanças no comportamento financeiro. Estou tentando gastar menos em bobagens, como ingressos de shows e coisas fora da minha realidade. Mas eu não parei de gastar comigo, apenas parei de gastar em outras coisas que não são do meu cotidiano”, diz.
O Portal do Investidor explica que para lidar com as dívidas, é essencial compreender os fatores emocionais e desenvolver estratégias eficazes de controle de gastos. Esse processo envolve mudanças comportamentais, como o desenvolvimento de hábitos de consumo conscientes, a elaboração de um plano de pagamento de dívidas e a criação de um fundo de emergência. Também é importante desenvolver uma mentalidade de longo prazo, priorizando metas financeiras realistas e evitando a pressão social para consumir além das possibilidades.
“Um primeiro passo importante pode ser buscar informações, seja referente a formas de organizar a vida financeira, ou procurando ajuda profissional em saúde mental, como médico psiquiatra e/ou psicólogo. Em situações mais graves, onde há humor deprimido e um grau de ansiedade mais elevado, é fundamental cuidar destes sintomas para que essa pessoa consiga reorganizar a vida financeira”, orienta a psicóloga Beatriz Fracaro.
O médico psiquiatra Lucas Batistela também aconselha a procurar ajuda profissional e apoio familiar, identificar e organizar as finanças e, acima de tudo, ter paciência para lidar com dívidas sem tomar atitudes precipitadas. “Primeira coisa: procurar ajuda, dentro de casa e com algum profissional, seja ele psicólogo ou psiquiatra. Não carregue esse peso sozinho porque com certeza você vai maximizar a situação e sem perceber vai se afundar cada vez mais. Segunda coisa: identificar o que lhe levou a esse ponto e organizar suas finanças para que se não for possível pagar agora, pelo menos essa dívida não continue aumentando cada vez mais. Terceira coisa: paciência! não tome atitudes precipitadas, você caminhando com sabedoria com certeza essa dívida em algum momento vai ser resolvida”, avalia.
Como organizar as finanças para quitar dívidas?
O artigo “How Can Debt and Money Issues Impact Your Mental Health?”, que trata sobre dívidas e saúde mental e que é citado no artigo do Portal do Investidor sugere alguns recursos práticos para organizar as dívidas, como analisar periodicamente as dívidas e fazer uma lista detalhada incluindo valores, taxas de juros e prazos de pagamento mínimo; verificar seus relatórios de crédito para ter uma compreensão de seu histórico e a situação das contas; determinar o quanto se pode pagar mensalmente e criar um orçamento detalhado; buscar acordos possíveis ou planos de pagamentos junto aos credores; buscar orientação especializada e certificados e desenvolver um plano personalizado para pagar suas dívidas.
Além disso, o artigo alerta que é preciso tomar cuidado ao procurar ajuda para a resolução de problemas financeiros e orienta a desconfiar de serviços que prometem quitar dívidas rapidamente ou que solicitem pagamento antes de prestar qualquer assistência.
Equilibrar expectativas e aceitar a realidade atual é uma das sugestões da psicóloga Beatriz Berger Fracaro. “Sempre que estamos diante de um problema que tem impacto emocional significativo, por mais que seja possível pensar em soluções, muitas vezes isso não vai ser imediato, o que vai exigir que essa pessoa consiga calibrar suas expectativas, aceitar a realidade que se apresenta, tolerar frustrações, bem como regular suas emoções desafiadoras neste processo. São habilidades que podemos desenvolver ao longo da vida ou até mesmo em um processo psicoterapêutico com a ajuda de um psicólogo”, cita.
Para prevenir problemas psicológicos e emocionais futuros por conta de dívidas, a psicóloga recomenda trabalhar o autoconhecimento para que cada um compreenda a sua forma de pensar, sentir e agir, para evitar ações por impulso, por exemplo.
Como driblar o consumismo?
Para evitar o consumismo excessivo, o médico psiquiatra Lucas Batistela sugere cortar futilidades e evitar promoções para prevenir o agravamento das dívidas. “A palavra-chave é controle. Todos nós somos bombardeados todos os dias pelo consumismo, o desejo do ter nos afasta cada vez mais da consciência do ser. Antes de comprar algo pense: ‘será mesmo que eu preciso disso?’ Se você já está entrando em dívidas mude seus hábitos, corte as futilidades, não fique entrando em lojas, corra das promoções, pare de usar o cartão de crédito, se for uma questão de compulsão e você não conseguir se controlar você precisa de ajuda, não demore tomar uma atitude ou cada vez mais a dívida vai estar maior”, finaliza.
Lenon Diego Gauron