10/06/2024
O governador do Paraná, Carlos Massa Ratinho Junior, sancionou na terça-feira (4) a lei 22.006/2024, que institui o programa Parceiro da Escola. Aprovada após intensas discussões e protestos, a nova lei permitirá que empresas especializadas assumam a gestão administrativa de 204 colégios estaduais a partir de 2025. Embora o governo estadual argumente que o programa será uma maneira de melhorar a eficiência e a qualidade da educação, a iniciativa enfrenta resistência de alguns setores da comunidade escolar, que expressam preocupações sobre a privatização e o impacto financeiro do projeto
Foi sancionada na terça-feira (04) pelo governador do Paraná Carlos Massa Ratinho Junior a lei 22.006/2024, que institui o programa Parceiro da Escola e possibilita sua implementação em 204 unidades elegíveis da rede estadual. Aprovada na Assembleia Legislativa após duas semanas de discussões, a nova lei prevê que empresas com experiência na área passem a gerir a parte administrativa dos colégios estaduais no Paraná a partir de 2025.
O programa não atinge as escolas indígenas, as que atendem as comunidades quilombolas e comunidades de ilhas, bem como as cívico-militares.
De acordo com o governo, o programa será instalado mediante consulta semelhante a feita para implantação dos colégios cívico-militares, ouvindo a comunidade escolar. "O próximo passo é a consulta aos professores, pais, alunos e responsáveis, que vão decidir, de forma democrática, se querem implantar o projeto em suas escolas. É uma nova dinâmica para que a melhor educação do país amplie seus horizontes", afirma o governador Ratinho Junior.
Segundo o texto do governo, a votação nas escolas será preferencialmente de forma presencial.
Para atuar nas escolas elegíveis, haverá a exigência de que a empresa comprove cinco anos de experiência, capacidade técnica e competência para o programa. O parceiro, como é chamado pelo governo estadual, ainda deverá ser avaliado a cada ciclo contratual conforme parâmetros da Secretaria de Estado da Educação (Seed) em relação à evolução da frequência, evolução da aprendizagem, manutenção e conservação das instalações e satisfação da comunidade escolar.
A lei esclarece que as empresas atuarão exclusivamente nas dimensões administrativa e financeira, mantendo sob o controle da Seed a autonomia absoluta sobre o projeto pedagógico. Quanto à merenda escolar, a Seed será responsável pelo fornecimento da alimentação, que poderá ser complementada, se necessário, pela empresa atuante.
Segundo o governo, o programa tem como finalidade principal possibilitar que os diretores e gestores concentrem esforços na melhoria da qualidade educacional, dedicando-se ao desenvolvimento de metodologias pedagógicas, treinamento de professores e acompanhamento do progresso dos alunos.
Os diretores, os professores e os funcionários efetivos já lotados nas escolas serão mantidos e as demais vagas serão supridas pela empresa parceira, sendo obrigatória a equivalência dos salários com aqueles praticados pelo Estado do Paraná. A gestão pedagógica seguirá a cargo do diretor concursado.
Polêmica
O texto foi aprovado após dois dias de votação na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), que foram acompanhados por protestos de manifestantes contrários ao projeto. Um grupo, composto por professores, alunos e servidores, chegou a adentrar o prédio da Assembleia na segunda-feira (3).
O projeto vem causando polêmica desde o início, especialmente entre representantes da comunidade escolar, que veem com preocupação alguns pontos.
Marco Aurélio Gaspar, professor e secretário de finanças da APP Sindicato - Núcleo Sindical de Irati, entidade que representa os interesses dos professores e funcionários das escolas públicas, criticou o projeto. Segundo ele, a iniciativa envolve a transferência de recursos públicos para a gestão privada. “O projeto funciona no sistema de PPP, parceria público-privada, que para as pessoas terem uma ideia, é como funciona a administração dos pedágios, onde as empresas não investiram quase nada e receberam toda a estrutura pronta, e assim é com as escolas. Na nossa opinião, da APP Sindicato, esse projeto não passa de transferência de dinheiro público, de dinheiro dos nossos impostos, para a iniciativa privada”, aponta.
Ao discutir as implicações do programa, Marco Aurélio Gaspar, levanta preocupações sobre a extensão das responsabilidades das empresas envolvidas. “Existem outras questões que a gente precisa abordar. A administração, a princípio e segundo o próprio governo na defesa desse projeto, diz que a gestão pedagógica será do diretor da escola e que a empresa não terá responsabilidade nenhuma sobre a gestão pedagógica. O papel da empresa será a gestão financeira e administrativa. Mas, no próprio projeto fala que a empresa tem responsabilidade de aumentar os índices de avaliação de cada escola. Então, nesse sentido, fica entendido que a empresa terá sim responsabilidade pedagógica, porque os índices dizem respeito da questão pedagógica”, argumenta.
Segundo o governo do Estado, “A lei deixa claro que o parceiro atuará exclusivamente nas dimensões administrativa e financeira, mantendo sob o controle da Seed a autonomia absoluta sobre o projeto pedagógico”. O texto diz ainda que ficará a cargo do Estado também divulgar anualmente os principais indicadores de aprendizagem, frequência escolar, número de matrículas, taxa de abandono e taxa de evasão escolar.
O representante da APP Sindicato destacou também preocupações sobre a viabilidade financeira e os impactos para as escolas menores do Paraná. “A gente precisa considerar também que são 200 escolas a princípio, mas que o projeto prevê que todas as escolas poderão ser privatizadas. Muito embora em entrevista o próprio governador do Estado tenha afirmado que algumas escolas não são viáveis, ou seja, são escolas pequenas, com um número pequeno de alunos, para as empresas, não é viável porque representa pouco lucro”, afirma Gaspar.
Protestos e greve
Professores, servidores e alunos da rede estadual do Paraná contrários ao projeto realizaram manifestação em Curitiba na segunda-feira (3). O ato abriu o primeiro dia de greve da categoria. No entanto, de acordo com a Secretaria Estadual de Educação, ao longo da semana, a ampla maioria dos 67 mil professores da rede estadual manteve suas atividades com o atendimento regular aos alunos mesmo com a convocação de greve contra o programa Parceiro da Escola.
A greve foi suspensa pelo Tribunal de Justiça durante o feriado de Corpus Christi, com uma multa diária de R$ 10 mil em caso de descumprimento.
"É importante que os estudantes continuem frequentando as escolas para evitar prejuízos no aprendizado. Nas eventuais ausências dos docentes, as escolas estão preparadas com apoio tecnológico para garantir o atendimento aos alunos e manter o cronograma regular de estudos, mostrando uma gestão resiliente e focada na continuidade educacional", comentou o secretário estadual da Educação, Roni Miranda.
Projeto-piloto
No Paraná, o projeto-piloto já é desenvolvido desde 2023 no Colégio Estadual Aníbal Khury, em Curitiba, e no Colégio Estadual Anita Canet, em São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC), totalizando 2,1 mil estudantes atendidos. O representante da APP Sindicato Marco Aurélio Gaspar comparou os valores dos recursos repassados por aluno nessas instituições e questionou a transparência quanto aos custos envolvidos. “Quanto menos a empresa tiver gastos ou menos investir na própria escola, na infraestrutura, na folha de pagamento, aumentará mais os lucros da empresa, que terá um repasse por aluno. No projeto ainda não especifica o valor por aluno, mas considerando que o governo usa como referência duas escolas já privatizadas neste modelo, essas duas escolas recebem 800 reais por aluno, o que é um absurdo um projeto ser votado numa casa de leis não contendo o impacto financeiro para o estado do Paraná. Só isso já seria um impedimento de votação desse projeto”, afirma.
O programa Parceiro da Escola permite a implantação em 204 unidades elegíveis da rede estadual, em 110 cidades, o que corresponde a pouco mais de 10% das instituições da rede de ensino do estado. Gaspar diz que existe a falta de clareza sobre a origem dos fundos e o impacto potencial nas demais escolas que não farão parte do programa.
“Não fala nada sobre verbas, entende-se que não haverá um dinheiro novo para essas escolas, não tem um dinheiro que venha de um determinado imposto direcionado para bancar essas escolas, isso vai sair do mesmo fundo, que é o Fundeb, o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica, que é um fundo federal. Ou seja, vai tirar desse fundo muito dinheiro para 10% das escolas do Paraná, enquanto que as outras 90% vão ter o dinheiro reduzido, porque não tem o dinheiro novo. O governo não diz que haverá”, afirma Gaspar.
Ele destaca que o repasse federal do Fundeb exige que as escolas estejam em conformidade com a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), o que poderia criar incertezas jurídicas caso o Estado não cumpra essas regulamentações. “A gente tem que lembrar sobre o Fundeb, que é um repasse federal, e a escola que recebe precisa estar regulamentada de acordo com Lei de Diretrizes e Bases. Isso vai gerar uma insegurança jurídica para todas as escolas do Estado, considerando que o nosso Estado não respeitará a LDB, que regulamenta os repasses e toda a administração, tanto pedagógica quanto administrativa. Nesse sentido, nós entendemos que esse é um projeto inconstitucional”, defende o representante da APP Sindicato.
Votação
A proposta de terceirização da gestão dos colégios estaduais começou a ser votada na segunda-feira (3), sendo aprovada em primeiro turno com 39 votos favoráveis e 13 contrários.
No dia seguinte, a proposta foi aprovada em segunda votação com 38 votos a favor e 13 contra. Em seguida, o Legislativo aprovou a redação final e encaminhou o texto para sanção.
A lei recebeu emendas dos deputados estaduais. Entre elas, está a possibilidade de o professor efetivo trocar de escola caso queira, por meio da oferta de vaga em concurso de remoção. De acordo com o governo, o programa garante aos professores contratados pelo parceiro os mesmos salários e o direito à hora-atividade prevista na legislação.
BOX
Boatos desmentidos
Com a crescente discussão em torno do projeto de terceirização da gestão das escolas estaduais, tem havido disseminação de boatos e informações falsas. Diante disso, o governo estadual desmentiu algumas dessas alegações em comunicados.
Os pais terão que pagar mensalidades?
A Secretaria da Educação do Paraná (Seed) garante que não haverá a privatização do ensino, que continuará público e gratuito.
Os professores agora serão MEI?
De acordo com a Seed, os professores não serão enquadrados como MEI (Microempreendedor Individual), ao contrário de boatos que circulam. “Jamais! Se ouviu isso, nem precisa se preocupar. O professor QPM segue normalmente na escola e nada mudará. O projeto vem só para trazer melhorias: é PSS? Você será CLT e receberá um salário igual ou acima do atual, FGTS, multa rescisórias e outros auxílios garantidos.”
O professor contratado para o programa ganhará bem menos?
“De jeito nenhum. O salário do profissional do ‘Parceiro da Escola’ será exatamente igual ao de um professor PSS, que hoje é de R$ 6.148,00. A diferença é que, no novo modelo, o professor ainda recebe fundo de garantia e multa rescisória”, afirma a Seed.
Estabilidade
Segundo a Seed, o programa não tem o propósito de depreciar a categoria dos professores e visa possibilitar que os educadores se concentrem nas tarefas essenciais.
“O programa ‘Parceiro da Escola’, ao contrário do que vem sendo dito, não vai desvalorizar a categoria. Pelo contrário, vai oferecer tranquilidade para os profissionais atuarem no trabalho pedagógico e fazer aquilo o que são especialistas: compartilhar conhecimento e inspirar jovens.”
Lenon Diego Gauron