04/03/2024
Em meio à era digital, ver crianças pequenas utilizando celulares tornou-se uma realidade e surge a necessidade de encontrar um equilíbrio entre o uso desses dispositivos e o desenvolvimento saudável. Como pais e educadores enfrentam esse desafio? A psicóloga clínica Paola Padilha dos Anjos Velozo e a pedagoga Aline Alves de Oliveira compartilham estratégias para promover uma abordagem equilibrada nessa jornada de crescimento infantil
A presença cada vez mais expressiva de crianças e adolescentes na internet, utilizando dispositivos como celulares e tablets, tende a continuar aumentado. Conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua sobre Tecnologia da Informação e Comunicação (Pnad/TIC), aproximadamente 85% das crianças com idades entre 10 e 13 anos no Brasil já estão conectadas ao mundo digital. Contudo, a realidade vivenciada por profissionais da educação e do desenvolvimento revela que costuma ser ainda mais precoce a imersão na internet, o que desperta preocupações quanto ao impacto no desenvolvimento a longo prazo.
“As crianças que são expostas por um longo período às telas tendem a manifestar um atraso no seu desenvolvimento de forma geral. É importante impor limites no uso de telas de acordo com as idades e etapas do desenvolvimento das crianças e adolescentes. É válido ressaltar que, em todas as idades, não se recomenda o uso de eletrônicos de forma isolada, nem durante as refeições”, descreve a psicóloga clínica Paola Padilha dos Anjos Velozo.
Por sua vez, a pedagoga e doutora em Educação para a Ciência e a Matemática, Aline Alves de Oliveira, avalia que muitos pais não respeitam o tempo de uso adequado de dispositivos eletrônicos, conforme a faixa etária de seus filhos. “Muitos pais acabam deixando os filhos ficarem por tempo muito na internet. E essas crianças começam a receber uma carga de alegria a cada segundo. Essas crianças, se não forem ensinadas a lidar com frustração, elas não vão aprender a lidar com o ‘não’, não vão aprender a lidar com as coisas difíceis que o mundo futuramente irá cobrar”, comenta.
É preciso brincar para se desenvolver
A psicóloga Paola Padilha dos Anjos Velozo destaca que a ausência de interações físicas com brinquedos e atividades no mundo real também pode prejudicar o desenvolvimento de habilidades essenciais para a vida adulta. “As brincadeiras são indispensáveis para o desenvolvimento completo da criança. Ao pegar coisas, explorar o mundo, subir, descer, cair, a criança desenvolve habilidades físicas importantes. Dessa forma, quando a criança não é exposta adequadamente a essas situações, isso interfere no seu desenvolvimento. É através desse brincar, principalmente com o outro, que a criança aprende a compartilhar, lidar com a frustração da perda, saber esperar sua vez, interagir de forma positiva, etc.”
Luis Henrique Mika tem 14 anos e ganhou seu primeiro celular neste ano. De acordo com sua mãe, ele usa o aparelho quando precisa fazer alguma pesquisa para a escola ou aprender algo através de videoaulas.
“Ele tem o celular dele, mas usa com um certo limite. Ele usa para pesquisas para escola, mas mesmo assim, eu monitoro bastante. Quando ele entra no YouTube, eu vejo o que ele está assistindo, é bem controlado. Não deixamos ele esquecer do mundo, até porque ele também tem o lazer com os amigos, sai andar de bicicleta e jogar tênis de mesa”, destaca Maria Isabel Lopes Mika, mãe de Luis e Maria Clara, de 5 anos.
Ela relata que, embora sua filha mais nova ocasionalmente também peça para usar o celular para assistir a desenhos, ela acredita que a idade da criança é ainda inadequada para o acesso a essa tecnologia. Por isso, ao invés de oferecer o celular, Maria Isabel encoraja a filha a brincar com brinquedos e se envolver em atividades que promovam a exploração e a diversão ao ar livre. “Eu acredito que para criança muito nova atrapalha bastante, porque eles deixam de brincar, deixam de se alimentar direito, não saem para nada, começam a viciar, vão começar a querer brigar porque querem o celular, começam a chorar. A Maria é o tipo de criança que brinca de boneca, brinca na areia, ela gosta de ajudar na cozinha, assim como foi e é com o Luis, a gente demorou para dar um celular para ele e vimos que isso ajudou muito no desenvolvimento dele”, relata.
Essa perspectiva é respaldada pela psicóloga Paola Padilha dos Anjos Velozo, que afirma que os cuidados dos pais, somados às brincadeiras, são essenciais para o desenvolvimento dos filhos nessa fase da vida. “A primeira infância, fase que corresponde do nascimento até o 6º ano de vida, é um período valioso para a construção mental, emocional e social da criança. O ambiente no qual ela está inserida, os cuidados dispensados pelos pais, estímulos e alimentação, fazem parte de forma importante dessa fase de maturação. Um ponto de grande importância para o desenvolvimento infantil são as habilidades que ela adquire durante o brincar. A criança aprende a reagir aos estímulos, explorar objetos e estimula a imaginação e criatividade”, enfatiza.
Problemas de saúde
A psicóloga destaca ainda que brincadeiras e brinquedos tradicionais das infâncias passadas estão se tornando cada vez mais raros, o que, segundo ela, pode ter um impacto significativo até mesmo na saúde física das crianças de hoje em dia. “O excesso do uso dos aparelhos tecnológicos diminui a construção de brincadeiras lúdicas e físicas, o que torna as crianças sedentárias. O impacto físico do sedentarismo é a obesidade infantil, que está fortemente associada a diabetes, hipertensão e problemas cardiovasculares. A exposição precoce e extensa frente às telas pode causar dificuldades na socialização, baixo desempenho escolar, transtorno de sono e alimentação, problemas visuais”, cita Paola.
Inserção gradual nas redes sociais
Por nascerem inseridas em um mundo midiático e digital, é difícil que haja proibição total do uso de telas conforme forem crescendo. E apesar de contraindicar o uso de redes sociais por crianças, a psicóloga Paola Padilha dos Anjos Velozo reconhece a inevitabilidade desse contato na adolescência.
Nesse contexto, ela enfatiza a necessidade de criar um ambiente de comunicação aberta em casa para a busca de orientação diante de situações desconfortáveis ou inadequadas. “Não podemos colocar nossos filhos em uma ‘bolha’. Dessa forma, enquanto adolescentes, começam os contatos a partir das redes. É imprescindível, em um primeiro momento, criar um ambiente acolhedor e de conversas em casa para que, frente a qualquer situação inapropriada ou minimamente estranha na rede social, o adolescente se sinta confortável em conversar com os pais a respeito e buscar orientação”, sugere.
Trend do palavrão: O que dizem os profissionais sobre a prática?
Outro fator destacado pelas profissionais é em relação à exposição dos menores na internet. Recentemente, uma prática controversa ganhou destaque nas plataformas de vídeos curtos na internet, envolvendo pais e seus filhos pequenos. Nessa tendência, alguns pais permitem que seus filhos fiquem sozinhos em um ambiente fechado enquanto um celular grava as crianças pronunciando palavrões livremente. Esses vídeos, posteriormente, são compartilhados nas redes sociais, gerando reações diversas entre os espectadores.
Para a pedagoga Aline Alves de Oliveira o problema vai além da permissão para que as crianças expressem palavras de baixo calão. Ela ressalta que, primeiramente, esse tipo de exposição pode resultar na perda de confiança das crianças em relação aos seus pais. “Eu acredito que um problema gigantesco que nós temos aí é a questão de combinados. Esses pais falam que a criança pode dizer todos os palavrões e que está tudo bem, a mãe não vai brigar. Essa criança se sente livre e ela confia nessa fala. O problema maior está nos pais não mencionarem que está sendo gravado e que aquilo vai ser divulgado, porque isso pode despertar nessa criança o senso de traição, pode quebrar a lealdade e essa criança pode ficar um pouco perdida”, descreve Aline.
Ela observa que assim como nessa tendência, muitos pais, em busca de curtidas em seus vídeos, expõem seus filhos em situações desconfortáveis. “Muitas crianças pensam: 'a mãe falou para eu não falar palavrão e eu estou aqui falando. Será que isso é certo?'. Eu percebi que muitas ficavam com medo e na dúvida. Eu não considero uma trend legal e muitos pais estão fazendo isso para ganhar likes, coisa que não é muito legal, pensando na educação desses filhos”, enfatiza.
A educadora também sustenta a visão de que esse e outros tipos de exposições pode desencadear situações que se estendem para além do ambiente virtual, incluindo o afastamento de colegas de escola e até mesmo casos de bullying. “Se essa criança ou adolescente for ficar falando palavrão, por exemplo, a todo momento, sempre vai ser cobrado dessa criança para que ela não haja desse jeito. E pensando na parte de bullying, cyberbullying, se essa criança está inserida em um ambiente que ninguém fala palavrão, que as pessoas são mais polidas, ela pode começar a ser deixada de lado”, avalia.
Aline esclarece ainda que outra preocupação significativa originada das redes sociais é a tendência de as crianças compararem suas vidas com as dos outros, resultando em sentimento de frustração e tristeza. “Se ela cresce nessa imersão dessas redes sociais, acaba não encontrando alegria em outros espaços, em outros momentos. Por isso que é extremamente importante que os pais saibam atribuir limites a essas crianças, a esses jovens, para que eles tenham o horário certo para fazer tudo o que seja necessário”, aconselha.
Qual a idade certa para começar usar o celular?
De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), além dos problemas de desenvolvimento intelectual e físico, as telas também têm um impacto direto na saúde dos olhos das crianças e adolescentes.
A instituição relata que tem sido diagnosticados efeitos na acomodação, superfície ocular, motilidade ocular e associação como fator de risco para miopia, acompanhados de sintomas extra oculares como dores no ombro e pescoço, cefaleia, além de dores nas costas, recorrentes do uso descontrolado dos dispositivos móveis pelos jovens.
Segundo a SBP, 95% das crianças que já têm acesso a dispositivos móveis usam o celular como principal dispositivo para acessar aplicativos e sites. E para evitar problemas de saúde ocasionados pelo uso excessivos desses aparelhos, a entidade recomenda um limite de tempo para crianças e adolescentes estarem em contato com esses aparelhos, determinados pela faixa etária, e ressalta que o uso sempre deve ser feito com supervisão de pais ou responsáveis.
Menores de 2 anos: nenhum contato com telas ou videogames;
Dos 2 aos 5 anos: até uma hora por dia;
Dos 6 aos 10 anos: entre uma e duas horas por dia;
Dos 11 aos 18 anos: entre duas e três horas por dia.
Texto: Lenon Diego Gauron