31/10/2023
Karine de Oliveira, enfermeira na Santa Casa de Irati, tem entre as suas funções, uma tarefa difícil, dar a notícia da morte de pacientes aos familiares. Segundo ela, o processo se mantém doloroso a cada ocorrência.
“Estar responsável pela comunicação de morte de um paciente é o maior desafio de nossa profissão, pois fazemos tudo o que é possível para que a vida seja preservada, seja mantida, e perder um paciente acaba gerando frustração. O luto é singular e de cada um, ou seja, todos demonstram a dor de uma maneira diferente. Não existe uma estratégia formulada para lidar com a morte, pois cada um tem uma história e uma forma diferente de lidar com a morte”, explica.
Mesmo com a vasta experiência adquirida na profissão, Karine destaca que, no momento da perda, as reações podem variar consideravelmente, podendo até mesmo dar origem a desentendimentos entre os próprios familiares. “Lidar com a morte não é uma tarefa fácil, visto que nunca estamos preparados totalmente nem para receber nem para dar a notícia de morte. Perder alguém gera dor, ansiedade, gera raiva, gera sentimentos que ninguém consegue decifrar. A comunicação da morte é um ato médico, porém, a equipe multidisciplinar realiza o acolhimento, oferecendo apoio emocional e muitas vezes gerenciando conflitos gerados entre os próprios familiares”, detalha.
Ana Claudia Ferreira de Andrade é assistente social na Santa Casa de Irati. Ela ressalta a importância da empatia, do respeito e do acolhimento ao comunicar uma notícia que ninguém espera receber. “Acreditamos que mesmo diante de todo o sofrimento e tristeza vivenciado pela família que perdeu o ente querido, nossa equipe sempre estará disposta a acolher, orientar, oferecer tudo que possa amenizar o sofrimento neste momento, executando de forma eficaz todo o processo advindo do óbito. Lembrando que todo paciente é o amor da vida de alguém. Temos que dar atenção e aconchego através de um abraço, de um carinho ou apenas estar ali ao lado do familiar”, explica.
Edmilson José Feira Júnior atua na funerária que sua família estabeleceu há 38 anos. Embora esteja familiarizado com a rotina, ele destaca que, acima de tudo, a prioridade em sua profissão é o respeito pelo ser humano e pela família. “Tem que saber como tratar no momento difícil, ninguém quer passar por aquilo. A pessoa entra num lugar para comprar um produto que ela jamais queria comprar. A gente tem que primeiro se pôr no lugar da família, tratar com dignidade e respeito. Por mais que a pessoa morreu, teve uma história por trás, então tem que ter total respeito pela família, ouvir primeiro o que eles querem, o que seja feito”, relata.
Ele acredita que ninguém de fato está preparado para perder alguém que ama. “A partir do momento que a gente nasce, a gente já sabe que a única certeza é a morte. É difícil, não digo que todo mundo vai conseguir, eu posso falar que eu estou pronto, mas vai chegar o momento que posso não estar preparado para uma perda. Eu sempre digo, a gente não gosta de perder. O ser humano já nasce com o instinto de sobrevivência, então a gente quer sempre ganhar, perder jamais. E perder um ente querido é muito complicado”, comenta.
Embora seja um período difícil para as famílias e uma situação que ninguém deseje enfrentar, Edmilson acredita que o velório pode desempenhar um papel importante na atenuação do sofrimento decorrente da perda. “As pessoas acham que a gente vende caixão, mas a gente vende uma prestação de serviço que vai ser necessário, que precisa ser feito”, avalia.
Às vezes é preciso buscar ajuda
A psicóloga Beatriz Berger destaca que muitas pessoas que enfrentam dificuldades para superar a perda de alguém e retomar uma vida normal recorrem à ajuda psicológica como forma de aliviar o sofrimento. “Na psicologia, o objetivo é ajudar o paciente a olhar para a sua dor, ao mesmo tempo que aceita a realidade da morte. Além disso, tem como propósito restaurar a capacidade de bem-estar dessa pessoa, aumentando o senso de autonomia e competência em relação a vida e ao futuro, bem como aumentar experiências de alegria e satisfação, focando a energia e atenção ao que pode controlar, que são as próprias ações, escolhas, continuar caminhando em direção ao que lhe é importante, cuidar de si, apesar da dor e vazio que experimenta no momento”, descreve.
Para isso é desenvolvida uma adaptação à perda com o conceito de luto integrado. “Verificamos que o luto é duradouro, mas busca-se deixar em segundo plano, de modo que é ativado em determinados momentos, como em certos dias do calendário, eventos ou lembranças inesperadas, mas não está presente na vida em um primeiro plano”, cita.
O objetivo é fazer com que a pessoa consiga levar uma vida mais leve ao mesmo tempo que mantém a pessoa que já se foi presente na memória. “A realidade precisa ser assimilada, para que se possa desenvolver um novo lugar para o relacionamento com o ente querido, que passa a ser interno. A ideia não é esquecer o ente perdido, deixar de sentir tristeza ou saudade quando pensa sobre isso, mas integrar o luto à vida de uma maneira adaptativa, pois uma vida termina, mas jamais um relacionamento, e a ideia é transformar esse relacionamento de presença física em conexão espiritual, memórias, histórias, fotos, vídeos e ações que honram o ente que se foi”, descreve.
Altos e baixos
A psicóloga Daniele Pires Soares explica que não existe uma forma determinada de passar pelo período de luto. “Não é apenas um momento de reação à perda, mas um processo pessoal, não linear, podemos ter ‘altos’ e ‘baixos’, e sem um tempo determinado. Não existe uma forma certa de fazer um luto – somos todos diferentes, temos reações e sentimentos diferentes perante a perda”, detalha.
Ela descreve que o sentimento pode implicar em diferentes momentos, que vão da negação ao choque; tristeza e aceitação; emoções intensas; diferentes respostas do corpo, como agitação ou falta de energia, ausência ou excesso de apetite, dificuldades em dormir ou em acordar; e até mesmo pensamentos ambivalentes e contraditórios, como não conseguir parar de pensar no acontecimento, não quer acreditar que a pessoa faleceu, entre outros.
Ainda é possível “sentir raiva ou ressentimento pela pessoa ter deixado; ou culpados por não termos sido capazes de a salvar; ou um impacto negativo no nosso comportamento”, diz.
A psicóloga conta que o luto é um sentimento natural ligado às perdas não somente de pessoas. “O luto é uma reação natural à perda e tem como objetivo adaptarmo-nos à vida depois dessa perda. Pode ocorrer quando morre um familiar ou amigo, um animal de estimação, quando perdemos uma relação significativa (por exemplo, uma separação, divórcio) ou na sequência de outras experiências de perda (por exemplo, a perda de emprego, o diagnóstico de uma doença grave, infertilidade)”, descreve.
A perda inesperada gera conflitos de pensamentos para a pessoa que está passando pelo processo de luto, comenta a psicóloga Beatriz Berger. “O luto é mais que a perda de algo ou alguém, mas é também a perda de sonhos, de projetos de vida, de objetivos e perspectivas. Esse momento pode ser composto por alguns processos, como a negação e o isolamento, a raiva, a barganha, a tristeza, a solidão e a aceitação. Antes, acreditava-se que as pessoas passavam pelo processo de luto por cada uma dessas etapas, de modo sequencial, mas hoje se sabe que essas emoções não acontecem de forma linear, mas em um processo que mistura tudo isso”, explica.
É preciso aceitar
A incapacidade de lidar com a dor da perda pode representar uma ameaça à saúde mental daqueles que estão de luto. “Hoje sabemos que um luto que não é bem elaborado e vivido pode trazer riscos à saúde mental, o que podemos chamar de luto prolongado, onde há uma resposta persistente e generalizada de sofrimento, e uma dificuldade de adaptação à nova realidade, que ocorre depois de um tempo atípico à perda de, no mínimo, seis meses depois”, explica Beatriz.
Ela descreve como esse impacto negativo pode afetar as relações sociais da pessoa. “Nesse quadro, há uma dificuldade de retomar as atividades da vida cotidiana, bem como dificuldade de manter relações sociais e um padrão de isolamento contínuo, além de uma incapacidade de experimentar humor positivo, sendo sintomas semelhantes à depressão. Nesses casos, é fundamental buscar acompanhamento psicológico, pois os sintomas podem se intensificar e trazer prejuízos à vida das pessoas”, alerta Beatriz.
Daniele complementa e enfatiza a necessidade de buscar a aceitação da perda e de colocar o amor próprio como uma prioridade. “Atualmente nos doamos muito a servir quem amamos, ou necessitam; e o nosso auto cuidado fica em segundo plano. Eu sempre trabalho com meus pacientes o ‘amar-te’ em primeiro lugar. As adversidades da vida sempre vão existir, mas se estivermos bem conosco, fica mais fácil de encarar essas dificuldades”, enfatiza.
As recomendações da profissional para um processo saudável de luto são:
- Respeite e aceite os seus sentimentos. É natural experimentar emoções intensas e pensamentos contraditórios durante o processo.
- Não se isole. Partilhar sentimentos e sentimentos com um familiar ou amigo pode ajudar a reduzir a solidão e tristeza.
- Cuide de si. Manter as rotinas habituais e praticar o autocuidado pode melhorar a forma como pensa e como se sente.
- Regresse a momentos felizes. Permita-se retomar a sua vida, sem culpa. Sorrir e realizar atividades que nos dão prazer não significa que esquecemos quem/o que perdemos.
Influências na percepção da morte
A maneira como as pessoas encaram a morte pode variar significativamente devido a uma série de fatores comportamentais, culturais e até mesmo religiosos. “O que pensam sobre esse momento de finitude é influenciado pela visão que tem sobre o mundo e sobre o pós-morte, que pode ser diferente a partir de aspectos religiosos espirituais, que podem fortalecer as pessoas nesse momento – à medida que essa vivência fizer sentido para cada um –, pois atribuem um significado e uma postura específica diante da situação”, cita a psicóloga Beatriz Berger Fracaro.
Texto: Lenon Diego Gauron e Letícia Torres
Foto: Lenon Diego Gauron/Hoje Centro Sul