29/04/2025
Os últimos anos, a internet se consolidou como o principal meio para quem busca respostas rápidas sobre sintomas e doenças. Apesar da vasta quantidade de conteúdos disponíveis, nem todos são confiáveis, e orientações equivocadas podem trazer consequências graves para a saúde pública. A prática de recorrer ao chamado “Dr. Google” preocupa especialistas, já que frequentemente os materiais encontrados não possuem embasamento científico.
"Procurar diagnósticos ou tratamentos on-line, sem orientação adequada, pode prejudicar tanto a saúde física quanto a mental", explica a coordenadora médica do Hospital São Marcelino Champagnat, Maria Fernanda Carvalho. O autodiagnóstico pode levar ao tratamento equivocado de um problema de saúde, agravando o caso.
O cirurgião vascular Cristiano Pinto relata uma situação em que isso aconteceu, com um homem de 52 anos, que estava com uma ferida no pé há algumas semanas. “No começo, não deu muita importância. Procurou no Google e leu que poderia ser apenas uma dermatite ou uma micose leve e seguiu uma orientação da internet. Comprou uma pomada antibiótica e começou a aplicar, achando que resolveria rápido. Passaram-se vinte dias e a ferida ficou com um cheiro forte, as dores na perna pioraram, vermelhidão, inchaço e até secreção com mau cheiro. Finalmente me procurou, a ferida estava com infecção, necrose extensa e comprometimento da circulação na perna. O diagnóstico foi diabetes descompensada com Insuficiência Arterial associada. Resultado: precisou ser internado, passar por cirurgia de amputação e quase perdeu a perna, foram mais de 15 dias de hospital”, conta o médico.
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Segundo ele, a interpretação dos sintomas deve sempre ser feita por um profissional de saúde, que irá considerar o histórico do paciente e o contexto em que ele está inserido para diagnosticar o problema real e o tratamento indicado para o caso.
“Pesquisar sintomas no Google pode levar a diagnósticos errados, já que os mesmos sinais e sintomas podem indicar várias doenças diferentes. Essas ações aumentam a ansiedade, muitas vezes induzem a automedicação, o que pode atrasar o tratamento correto. Além disso, muitas fontes online não são confiáveis e podem espalhar desinformação e formas de tratamento erradas”, enfatiza Cristiano.
Outro fator negativo do autodiagnóstico é o desconhecimento sobre os danos que os medicamentos podem provocar no organismo. A farmacêutica Luana Bozza destaca algumas das consequências da automedicação. “O uso de medicamentos em doses ou posologia inadequadas e até mesmo seu uso excessivo pode ocasionar danos em alguns órgãos, como, por exemplo, rins e fígado, que geralmente são os mais afetados. A automedicação também pode causar intoxicações, reações alérgicas e podem ocorrer interações entre medicamentos, e até mascarar a doença”, explica a farmacêutica.
Luana cita os tipos de medicamentos que mais costumam ser consumidos por conta própria.
“Hoje em dia, é observado o uso indiscriminado de anti-inflamatórios e analgésicos, pois muitas pessoas buscam melhorar um sintoma específico e podem acabar ocasionando outros problemas de saúde devido ao uso incorreto. Por isso, é importante consultar um profissional da saúde antes de se automedicar”, orienta.
Consumo responsável de informações
Diante do fácil acesso a todo tipo de informação, o papel dos profissionais de saúde se torna relevante não apenas no atendimento, mas também na conscientização sobre o consumo responsável de informações. "O papel do profissional de saúde está em educar, ensinar e compartilhar conhecimento baseado em evidências científicas", reforça a médica Maria Fernanda Carvalho. "Hoje o paciente tem um papel ativo no seu próprio cuidado, portanto é essencial que busque referências recomendadas por especialistas", defende.
Hospitais também têm realizado ações para combater esse problema. No Hospital São Marcelino Champagnat, o projeto E aí, Doutor?, lançado em 2022, leva informações seguras à população, através de vídeos no formato de perguntas e respostas de especialistas, que esclarecem dúvidas frequentes sobre diversos temas.
O cirurgião vascular Cristiano Pinto acredita que os pacientes devem buscar informações sobre doenças, mas têm que deixar o diagnóstico e a indicação do tratamento para os médicos, que irão investigar cada caso na consulta, com o apoio de exames.
“O acesso à informação tem seu lado positivo, mas saber interpretar essas informações é algo extremamente importante. Eu sou a favor do paciente buscar mais informações na internet, afinal de contas elas estão disponíveis e na palma da mão. Muitas vezes elas ajudam os pacientes e familiares a compreenderem melhor todo o contexto das doenças, eles até chegam mais preparados para o momento da consulta, com dúvidas muitas vezes bem pertinentes”, diz.
Benefícios da tecnologia
Para os profissionais de saúde, Cristiano comenta que os Sistemas Cognitivos Artificiais e os aplicativos de saúde com IA “são ferramentas de apoio a tomada de decisão, ou seja, vão empoderar os profissionais de saúde a tomarem decisões mais assertivas em cada caso”.
Ele cita que estas ferramentas também podem ajudar no monitoramento dos dados vitais dos pacientes de forma contínua e remota, na organização de dados clínicos e no acompanhamento das doenças.
“Ajudam os médicos a elaborarem tratamentos cada vez mais personalizados, baseados nas características bioquímicas e genéticas de cada pessoa. Ao mesmo tempo a IA pode ajudar os pacientes na prevenção, em lembretes de medicação, controle de alimentação, exercícios físicos e sono”, afirma Cristiano.
E usar remédios indicados a um parente, pode?
Além de consultar o “Dr. Google”, outra prática comum é descrever os sintomas a parentes e amigos e ouvir que alguém já teve o “mesmo problema” e que o médico receitou determinado medicamento.
A farmacêutica Luana Bozza explica por que esta atitude não é indicada. “Os mesmos sintomas manifestam-se em doenças diferentes. Cada pessoa tem sua individualidade, por exemplo: pessoas que têm hipertensão e diabetes requerem uma atenção especial para não agravar a doença. Se a pessoa já faz uso de algum medicamento, a indicação de outro medicamento sem a orientação de um profissional pode causar danos e até mesmo toxicidade. O que é benéfico para uma pessoa, pode ser prejudicial para outra”, detalha a farmacêutica.
Saúde mental
Uma pesquisa da Medscape, com 1.279 médicos brasileiros em atividade, revelou que 83% deles consideram alto o risco quando pacientes utilizam inteligência artificial para se autodiagnosticar.
“Esse fenômeno tem se tornado cada vez mais comum, especialmente no campo das doenças mentais, com pessoas afirmando possuir transtornos psiquiátricos sem confirmação médica”, observa Maria Fernanda. “No caso do TDAH, milhares se autodiagnosticam com base em conteúdos sem rigor científico, fazendo com que muitos acreditem possuir uma patologia que, na verdade, não têm”, avalia.
Letícia Torres