15/08/2023
As histórias de Camila Franczak e Miguel Vieira de Mello Neto são provas de que os sonhos não conhecem limites. Sobretudo, quando a dedicação aos estudos é o meio escolhido para avançar rumo a conquistas inimagináveis para a maioria.
Camila é ex-aluna do Colégio Nossa Senhora das Graças de Irati, fez engenharia civil na faculdade, período em que também se dedicou para ser selecionada para um intercâmbio. Depois conseguiu emprego na França e trabalhou nas obras de construção do metrô de Paris. Até hoje, mesmo morando no Brasil, ela continua atuando como gestora de projetos de engenharia na empresa francesa.
Miguel é ex-aluno do Colégio Olavo Anselmo Santini, no Rio do Couro. Ele perdeu a mãe aos oito anos de idade e veio morar com a avó e o tio, na área rural de Irati. Poucos anos depois a avó também faleceu e, na adolescência, Miguel tinha dúvidas se seguiria estudando ou ia atuar na lavoura, profissão mais comum na localidade. A opção foi estudar. E ele sonhou alto, escolheu o curso mais concorrido, medicina. Conseguiu ser aprovado no vestibular da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), concluiu o curso e especializou-se em ortopedia e traumatologia. Hoje tem uma clínica em Irati, além de atender nos maiores hospitais de Guarapuava e Ponta Grossa.
De Irati para o mundo
A fé e o desejo de se tornar engenheira civil impulsionou Camila Franczak para o mundo. “Estudei todo o ensino fundamental no mesmo colégio, o Nossa Senhora das Graças, e parte do ensino médio no Colégio São Vicente. Foi através das comemorações do Dia 27 de novembro, Dia de Nossa Senhora das Graças, que ganhávamos as medalhinhas no colégio, que comecei a alimentar o sonho de morar na França, pois foi em Paris a aparição da santa”, lembra.
Na faculdade, o sonho encontrou um caminho. “No segundo ano da faculdade de engenharia nos apresentaram a possibilidade de ganhar uma bolsa de intercâmbio, através de uma prova de proficiência no francês e também através do bom desempenho acadêmico. Foi quando comecei a estudar francês e me dedicar ainda mais nos estudos para ficar bem classificada no processo seletivo”, conta. Após um ano, ela participou do processo seletivo e conquistou a bolsa de estudos. “Em 2012, embarquei pela primeira vez em um avião para França, para passar um ano de intercâmbio em Strasbourg”, relembra.
No último ano da faculdade, Camila iniciou um estágio em uma empresa francesa de projetos ferroviários onde ela trabalha até hoje. “Na empresa, tive a oportunidade de, assim que me formei em engenharia, partir em missão na sede da empresa na França, em Paris, para trabalhar no projeto mais emblemático da empresa que é a elaboração do projeto de metrô de Paris, onde fiquei no time por dois anos e depois, em 2019, por mais um ano. Me emociono até hoje em pensar que tem meu nome no time deste projeto tão importante”, diz.
Ao longo destes anos, a iratiense continuou estudando, fez pós-graduação em Gestão de Projetos de Engenharia e foi conquistando espaços na empresa francesa. Dez anos depois de ter ingressado como estagiária, Camila trabalha como gestora de projetos ferroviários e rodoviários – de forma remota, pois ela reside no Brasil, em Curitiba.
Superar o meio onde se vive
Depois de apenas um ano fazendo curso pré-vestibular em Curitiba, Miguel Vieira de Mello Neto conseguiu ser aprovado em medicina na UEPG. Apesar da alta concorrência do vestibular e das dificuldades financeiras enfrentadas pelos tios e demais familiares do Rio do Couro para custear a moradia e o cursinho na capital, o maior desafio na avaliação do médico veio antes, vencer o meio. “O desafio foi decidir estudar ou não, pois a gente sabe que no interior ainda tem a expectativa que muitas pessoas fiquem na lavoura. Na minha sala poucas pessoas foram fazer vestibulares”, relata Miguel.
Apesar de a maioria dos amigos de infância do Rio do Couro não terem ido fazer faculdade, ele e seus primos foram, pois sua família sempre incentivou a educação. E, desde cedo, “rotina de estudos” é algo comum para o ortopedista.
“Sempre fui muito regrado, geralmente quando eu chegava da escola, a primeira coisa que eu fazia era as tarefas, então logo após o almoço eu já estudava, fazia todos os trabalhos adiantados, para poder ir brincar”, lembra. No pré-vestibular, em Curitiba, as horas de dedicação aumentaram, o que para ele não foi difícil. “Como a gente está lá para estudar, estuda oito, doze horas por dia sem nenhum sacrifício”, disse.
O médico ortopedia e traumatologia analisa que valeu a pena ter deixado a área rural para estudar. “Acredito que cheguei onde queria. Consegui me formar em uma área legal, tenho um emprego legal, hoje já tenho uma família, tenho esposa, tenho filha. É uma história de superação, sim, vindo do interior tem toda uma questão cultural, você decidir pelo estudo”, finaliza Miguel, elogiando e agradecendo os professores que teve nas escolas rurais onde fez o ensino fundamental e o ensino médio.
Estudantes
Murilo Kosinski precisou aliar a rotina de trabalho pesado no campo aos estudos para, assim como Miguel, também deixar a área rural de Irati para cursar medicina na UEPG.
“Foram dias de muito esforço e trabalho para que esse sonho se concretizasse, estudando no banco do trator, sentado no meio da lavoura, sempre com a pasta na mão, aproveitando cada minuto disponível para fazer aquela revisão; escrevendo redações enquanto cuidava para não deixar a colheitadeira parar”, descreve o estudante, morador da localidade rural de Irati chamada Água Clara.
Após concluir o ensino médio, ele matriculou-se em um curso on-line para aprimorar a rotina de estudos. “Eram aproximadamente onze horas de estudo diárias. Às vezes precisava ajudar meus pais na roça, aí eu levava as apostilas e estudava lá mesmo. Nos finais de semana, eu fazia simulados e redações”, conta.
Foram nove vestibulares até a aprovação na UEPG, no final de 2022, quando Murilo tinha 18 anos. “Agora, estudando medicina, tenho aula o dia todo, mas o horário varia bastante. Estou morando com a minha irmã em Ponta Grossa desde março. Já terminei o primeiro semestre e estou começando o segundo agora”, comenta Murilo.
Andreia Leticia Staxhyn quer fazer vestibular para engenharia ambiental neste ano, mas para ela, ter conseguido concluir o ensino médio foi uma conquista, pois engravidou quando ainda estava no primeiro ano. No segundo ano, já precisou estudar em casa, devido aos riscos da gravidez. “O Arthur acabou nascendo antes do tempo. Os professores me mandavam trabalhos para fazer em casa”, relembra.
Depois, quando voltou para a sala de aula, para amamentar ela precisava percorrer dois quilômetros, de bicicleta, na hora do almoço, pois tinha aulas pela manhã e à tarde. Andreia Leticia comemora o fato de ter conseguido vencer o desafio de conciliar a maternidade e os estudos, com o apoio de seu esposo. “Ele sempre esteve ali do meu lado. Ele falou para mim: ‘Você não vai desistir dos estudos, eu vou cuidar do nosso filho e vai dar tudo certo’”, relembra.
O psicólogo Bruno Marques ressalta que ter alguém para servir de apoio nas horas difíceis é fundamental para que a pessoa não desista dos objetivos. “Às vezes dá vontade de desistir, então eu acho que essa palavra amiga, esse ombro amigo da família que fala para não desistir, faz com que essa caminhada seja menos penosa, porque você sabe que tem alguém para te ouvir, independentemente da hora vão te atender, vão te incentivar e, às vezes, vão te contrariar também. Porque a gente não precisa de pessoas que digam somente aquilo que a gente quer ouvir, precisamos de pessoas que ‘puxem a nossa orelha’ de vez em quando”, diz o psicólogo.
Dia do Estudante
O Dia do Estudante foi comemorado na sexta-feira (11) e além de celebrar o conhecimento adquirido, muitos comemoram também suas trajetórias de superação. Em meio a diferentes tipos de desafios, histórias de iratienses que realizaram sonhos através dos estudos inspiram outras pessoas a continuarem a buscar seus objetivos.
Texto: Letícia Torres, Lenon Diego Gauron e Daniele Sobutka
Fotos: Arquivo pessoal